sexta-feira, 23 de junho de 2017

VERDADE E BELEZA: A NATUREZA COMO OBRA DE ARTE


Já está nas bancas a revista "Epicur", com o tema principal das estrelas, para a qual contribuí com um "long read" com o título de cima. Fica aqui o início para abrir o apetite:

 Todos nós guardamos na memória belas paisagens. Vimo-las com os nossos olhos e o nosso cérebro guarda-as muito bem guardadas. Eu nunca mais me esqueço de Limone sul Garda (Figura), uma pequena localidade à beira do grande lago de Garda, no Norte de Itália, onde o azul do lago dá lugar ao cinzento das rochas, aqui e ali pintado de verde, subindo rapidamente até a terra dar lugar ao céu, dominado pelo Sol mas pincelado por nuvens caprichosas. Também não me esqueço dos fantásticos pores do Sol que vi sobre o Atlântico em praias portuguesas, como a da Gala, na foz do Mondego, na Figueira da Foz: em poucos minutos, à medida que o disco solar mergulha sobre o oceano, no céu sucedem-se tonalidades de vermelho que rapidamente se extinguem.


Limone sul Garda

 Não é fácil definir o belo. Cada um de nós achará sempre um belo que seja seu. Mas todos concordarão em dizer que a Natureza é bela e, em certos sítios e em certas ocasiões, superlativamente bela. Não admira, por isso, que, desde tempos imemoriais, os artistas, isto é aqueles de nós que procuram o belo ao longo da sua vida, tenham tomado a Natureza como modelo. A arte sempre procurou representar a Natureza, sejam as montanhas, as praias desertas, ou o mundo vivo, do qual somos evidentemente parte. O alcantilado das casas, decoradas com canteiros multicolores, em Limone sul Garda chega para mostrar como, na Terra, o homem pode modificar a Natureza, acrescentando-lhe beleza. Também a ciência, que é a descoberta pelo homem do mundo à sua volta, se tem esforçado, desde o seu início, que podemos remontar à Antiguidade Grega, por descrever a Natureza – a palavra Física vem precisamente do grego physis, que significa Natureza. Os movimentos dos astros no céu ou os fenómenos ópticos, como o reflexo das casas na água do lago, por apresentarem regularidades, cedo foram encapsulados pela ciência.


 A beleza do arco-íris




 O arco-íris de Descartes


 Sendo a Natureza prodigiosamente variada, encontramos o belo por todo o lado. Encontramo-lo, escalando, no branco dos mas altos cumes ou até, mergulhando, em paisagens submarinas, onde a luz solar nunca chega. Por vezes, numa paisagem aparentemente banal (que só o é por estarmos habituados a ela), a Natureza surpreende-nos, como acontece quando ocorre um eclipse, ou, com maior frequência, um arco-íris. Um eclipse do Sol foi explicado pelo filósofo pré-socrático Tales de Mileto, quando afirmou que, em vez de um capricho dos deuses, se tratava apenas da passagem da Lua à frente do Sol. Porém, só no século XVII, com a mecânica celeste do físico inglês Isaac Newton, os eclipses passaram a ser previsíveis com precisão. Também o arco-íris foi de início considerado um sinal divino – está escrito no Genesis que é um sinal da aliança que Deus estabeleceu com os homens no fim do grande dilúvio. Os gregos antigos registaram as suas observações do arco-íris assim como os seus primeiros ensaios de interpretação, mas só a partir da Revolução Científica, a ciência se começou a apropriar do fenómeno. O filósofo francês René Descartes criou um arco-íris doméstico, usando garrafas de água para refractar a luz. Percebeu que eram as gotas de água presentes na atmosfera num dia chuvoso as responsáveis pelo espalhamento da luz branca, vinda do Sol, em luzes de várias cores, não apenas sete como reza a tradição mas uma infinidade delas, uma vez que a cor muda continuamente do vermelho ao violeta. Descartes foi pioneiro a oferecer uma descrição matemática da refracção: a luz quebra-se ao passar do ar para o vidro ou para a água de acordo com uma regra geométrica bem definida (Figura). Na geração seguinte à de Descartes, Newton conseguiu ver mais, como ele próprio disse, porque “subiu aos ombros de gigantes” (Descartes era decerto um deles). Substituindo uma garrafa por um prisma de vidro, produziu um belo arco-iris no seu quarto. E forneceu uma explicação científica mais elaborada para o fenómeno: para ele haveria partículas de luz associadas a diferentes cores que mudavam de direcção dentro do prisma, devido à sua diferente velocidade no vidro. As partículas de luz vermelha moviam-se, no vidro, com velocidade diferente das de luz violeta, sendo a luz branca feita de partículas de todas as cores. Newton não só conseguiu desdobrar a luz do Sol nas cores do arco-íris como também conseguiu, com um segundo prisma, fundir as cores, reconstituindo a luz branca original. Um simples prisma bastava para fazer passes de mágica com a luz. A mim, que me encanto sempre que vejo um arco-íris, a decifração científica do fenómeno não estraga o júbilo e o prazer que tenho ao vê-lo. O encantamento ressurge quando volto a ver o arco da velha no céu (o “velha” refere-se à aliança bíblica), mesmo que tenha feito a experiência de Newton há muitos anos na escola e a tenha ensinado vezes sem conta.

(...)

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