sábado, 29 de março de 2014

DAS MONTANHAS ERGUIDAS A PARTIR DOS FUNDOS MARINHOS POR EFEITO DO “FOGO CENTRAL”, NA IDEIA DOS GEÓGRAFOS GREGOS DA ANTIGUIDADE, À APROXIMAÇÃO E COLISÃO DE PLACAS LITOSFÉRICAS, NA MODERNA CONCEPÇÃO TECTÓNICA GLOBAL

3.ª Parte (a 1.ª e 2.ª partes podem ser encontradas aqui
Imalaias

Lystrosaurus
Um conceito fundamental à moderna visão tectónica global é o de astenosfera, introduzido por Joseph Barrell (1869-1919). Este geólogo americano dos United States Geological Survey, no Estado de Montana, definiu esta entidade como uma camada geosférica, profunda e menos rígida, do manto superior terrestre, mantida num estado de plasticidade que, sabe-se hoje, não só promove e alimenta o vulcanismo, como permite a mobilidade das placas litosféricas, os reajustamentos isostáticos e toda a série de processos geodinâmicos daí decorrentes. Barrell desenvolveu ainda o conceito de litosfera, como sendo a geosfera rochosa mais externa, formada pela crosta e pela parte superior, rígida, do manto. Como pioneiro na geocronologia isotópica, num tempo em que as técnicas radiométricas em uso eram olhadas com muita desconfiança, Barrel contribuiu com mais este seu domínio de investigação para o avanço da geologia que hoje se pratica. É com Alfred Lothar Wegener (1880-1930), meteorologista alemão, que se desenvolve o capítulo mais conhecido da geologia que se refere às translações continentais. Interessado pela geofísica, pela meteorologia e pela climatologia, participou, em 1906, numa expedição à Gronelândia, visando investigar a circulação das massas de ar polar. Esta experiência abriu-lhe as portas da Universidade de Marburgo, onde trabalhou como assistente. Aqui, durante uma sua pesquisa na biblioteca da Universidade, em 1911, Wegener deparou com um artigo científico, no qual se afirmava que fósseis de antigos animais (Cinognatus, Lystrosaurus, répteis mamalianos do Triásico) e de plantas (Glossopteris) idênticos haviam sido encontrados em lados opostos do Atlântico.

Cinognatus
Estimulado por este facto, iniciou uma série de estudos que conduziram à teoria que o celebrizou, com o mérito de a ter concebido e divulgado como tal, no seio de uma comunidade científica ortodoxa, marcada pelas ideias fixistas. Nessa época, para explicar uma tal identidade de fósseis de um e outro lado do oceano, acreditava-se na existência de pontes terrestres, intercontinentais, hoje submersas que, em tempos recuados, haviam ligado os continentes. Profundamente impressionado pelo facto, já anteriormente notado (por Ortels, Lomonosov e Snider-Pellegrini), de as costas de África e da América do Sul se encaixarem, como num puzzle, Wegener admitiu, então, que a citada identidade de fósseis poderia ser explicada, não pelas fantasiosas pontes terrestres, mas pelo facto de estes continentes terem estado unidos no passado. Era o mobilismo a tentar pôr fim ao fixismo.

Para ser entendida e aceite como uma teoria, esta ideia da deriva dos continentes necessitava de um conjunto suficiente de provas que a suportassem. E Wegener reuniu essas provas, juntando-as às que obtivera em Marburgo. Descobriu então que os terrenos que formam os Montes Apalaches, na América do Norte, tinham continuação nas Terras Altas da Escócia e que uma dada série estratificada, na África do Sul, era idêntica a uma outra conhecida em Santa Catarina, no Brasil. A estes argumentos, acrescentava-se a existência de vestígios de antigos glaciares em várias regiões do mundo (nomeadamente, África do Sul, extremo sul da América do Sul, Madagáscar e Índia), facto que o levou a admitir que, no passado, essas regiões teriam ocupado uma posição muito mais meridional, próxima do Pólo Sul. Wegener tomou ainda conhecimento de fósseis de plantas inequivocamente tropicais (fetos arbóreos) recolhidos em terrenos hoje sob climas frios, com é a ilha de Spitzberg, no Árctico.

A Pangea no Carbónico (em cima) e a 
sua evolução até o Quaternário (em baixo)
Na sua obra sobre a Origem dos Continentes e Oceanos, editada em 1915 (com mais três edições em 1920, 1922 e 1929), Wegener defendia que, há cerca de 300 milhões de anos, os continentes teriam estado unidos num único supercontinente, a que deu o nome de Pangea, rodeado pelo também único oceano, que referiu por Pantalassa.

Segundo ele, a Pangea fragmentou-se em massas continentais que andam "à deriva" desde então. É certo que Wegener não foi o primeiro cientista a sugerir que os continentes estiveram ligados no passado e que, depois, se afastaram ente si, mas foi ele o primeiro a reunir os dados científicos disponíveis e, com eles, elaborar uma hipótese com o potencial de uma teoria, utilizando argumentos geográficos, geológicos, paleontológicos e paleoclimáticos. Porém, incapaz de explicar as forças motoras da translação de tão grandes massas continentais, a concepção wegeneriana não resistiu às ideias fixistas e às objecções da comunidade científica da época (em especial, a norte-americana), sendo votada ao esquecimento por cerca de meio século.

Um dos primeiros apoiantes da teoria de Alfred Wegener, foi Émile Argand (1879-1940). Suíço de nascimento, abandonou a carreira médica para se dedicar, a tempo inteiro, à geologia, de que foi figura de relevo, tendo sido professor de Geologia na Universidade de Neuchatel, de 1911 a 1940, onde fundou o Instituto Geológico. Especialista em tectónica das regiões montanhosas, esteve entre os primeiros a compreender os mantos de carreamento. Na continuação do pensamento de Suess, Argand admitia que a colisão continental era a que melhor explicava a formação dos Alpes, ideia que extrapolou para o continente asiático. Precursor de uma visão global da geologia e em firme oposição ao fixismo aceite pela comunidade científica de então, propôs o conceito de mobilismo, como afirmação dos movimentos laterais da litosfera ou da crosta associados à deriva continental sem, contudo, os explicar. O seu livro Tectonics of Ásia, publicado em 1924, é um marco no estudo das montanhas

Um outro apoiante da deriva dos continentes foi o geólogo e engenheiro de minas sul-africano Alexander du Toit (1878-1948). Beneficiando de uma bolsa da Carnegie Institution, de Washington, em 1923, percorreu a orla oriental da América do Sul, no propósito de confirmar a correspondência da geologia desta margem do Atlântico com a geologia da orla ocidental de África. Desta sua pesquisa resultou a publicação, em 1927, de uma notável exposição das evidências estratigráficas e geocronológicas de apoio às ideias de Wegener. Na sua publicação mais conhecida, 1937, e du Toit ampliou o seu trabalho de 1927.

Partindo do conceito de Pangea de Wegener, propôs que este supercontinente se separou em duas grandes massas continentais, a Laurásia, a norte e a Gondwana (tal como a definira Suess), a sul, separadas pelo mar de Tétis (de Tethys, deusa grega das águas, filha de Úrano e Gaia, irmã e esposa de Oceano). Posteriormente estas duas massas ter-se-iam dividido em unidades menores e constituído os actuais continentes: América do Norte e Eurásia, a norte, e América do Sul, África, Índia, Austrália e Antárctida, a sul. Entretanto, em Inglaterra, o professor de geologia na Universidade de Edimburgo, Arthur Holmes (1890-1965) foi um dos mais prestigiados cientistas que procurou fazer sair do esquecimento a deriva continental de Wegener. E fê-lo, concretamente, ao dar ênfase à existência de correntes de convecção térmica no manto terrestre, sugeridas pelo Reverendo Osmond Fisher, em 1881, susceptíveis de mover a crosta à superfície, ideia que constituiu um dos pilares da tectónica de placas.

Correntes de convecção no manto
Físico de formação, trocou a física pela geologia, tendo sido pioneiro da geocronologia isotópica e o primeiro responsável pela revisão e aperfeiçoamento da escala do tempo geológico (escala cronostratigráfica). Esta sua outra contribuição para o progresso do conhecimento do tempo geológico em termos absolutos, foi o outro pilar que, como se verá, deu corpo à referida teoria da tectónica de placas.

Em 1931, Holmes empreendeu a tarefa de apoiar algumas ideias antigas dos geofísicos, propondo uma explicação dinâmica de vanguarda, muito próxima do modelo actualmente aceite. Segundo ele, o vulcanismo não era suficiente para dissipar o calor interno da Terra, quer o remanescente da sua origem como planeta do sistema solar, quer o produzido pela desintegração de certos radionuclídeos, como o 235U, 238U, 232Th, 40K e outros. Holmes supunha que este calor seria suficiente para criar as ditas correntes de convecção e que estas, extremamente lentas (na ordem de escassos cm/ano), teriam sido, por exemplo, a causa da rotura ao nível dos continentes, separação dos blocos continentais de um e outro lado desse acidente e subsequente deriva. Numa recuperação das ideias de Fisher, como se disse, dignas de registo, Holmes lembrou que os materiais do manto, sobreaquecidos em certas zonas do globo, ascendem (dizemos nós, agora, nos riftes), migram horizontalmente e, por fim, voltam a mergulhar até ao interior da Terra (dizemos nós, agora, nas zonas de Benioff). Segundo ele, a referida rotura teria atingido a Pangeia e separado os continentes que hoje marginam, a Este e Oeste, o Oceano Atlântico.


Em 1927, o sismólogo japonês Kiyoo Wadati (1902-1995) demonstrava que muitos sismos ocorriam em locais bastante profundos da crosta terrestre. Mais tarde, na década de 1950, o norte-americano Hugo Benioff professor no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e sismólogo notável, verificou que esses locais se situavam quase sempre na vizinhança das fossas oceânicas. Verificou, ainda, que os focos desses sismos se aprofundavam à medida que se afastavam da fossa, no sentido do continente. Esta descoberta permitiu conceber um modelo hoje bem conhecido, explicado e aceite, segundo o qual, num processo geodinâmico conhecido por subducção, uma porção da litosfera oceânica mergulha ao longo de um plano inclinado a que foi dado o nome de plano ou zona de Benioff-Wadati, uma das fronteiras de placas sobre as quais assenta a tectónica global.


Em 1939, David Tressel Griggs (1911-1974) explicava a formação das montanhas (orogénese) pela existência de correntes de convecção do manto tal como as definira Arthur Holmes, oito anos antes. Este geofísico americano, certamente influenciado pelo conceito de geossinclinal dos seus colegas e conterrâneos, James Hall e James Dana, admitia que, numa faixa de convergência, no lado descendente deste tipo de correntes se formava uma depressão alongada que se enchia de sedimentos, constituindo uma massa de materiais erodidos, oriundos das terras emersas de ambos os lados e, portanto, menos densa (na ordem de 2,7) do que o substrato oceânico (com uma densidade na ordem de 2,9) em que se afundara. Se o afundamento atingisse profundidade suficiente (alguns quilómetros) as temperaturas e as pressões tornariam plásticos (dúcteis) os materiais que à superfície são rígidos.

Terminada a convecção, esta massa tenderia a elevar-se para alcançar o inevitável equilíbrio isostático. Segundo Griggs, a convecção criava a bacia de sedimentação e a isóstase, ao elevar os sedimentos ali acumulados, gerava a correspondente cadeia montanhosa. Parte da resposta às grandes interrogações dos geólogos dos séculos XVIII e XIX - a elevação de uma cadeia de montanhas - estava dada. Esta formulação de Griggs permitiu associar as dorsais oceânicas às directrizes coincidentes com faixas de encontro de correntes de convecção ascendentes, e as zonas de subducção, às faixas de encontro das correntes de convecção descendentes.

(Continua aqui)
A. Galopim de Carvalho

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