sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

CARTA DOS INVESTIGADORES DO LIP À FCT


26 de fevereiro de 2014

Exmo. Sr. Presidente da FCT,

Os investigadores do LIP - Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas estão profundamente preocupados com a situação atual e com o futuro da investigação científica em Portugal. A instabilidade e redução do emprego científico, a incerteza gerada pela falta de financiamento das instituições e projetos e o clima de desconfiança sobre a gestão dos diversos processos de avaliação da FCT são as razões principais da nossa preocupação.

O LIP participou diretamente numa importante descoberta científica deste século, a descoberta do Bosão de Higgs em 2012. Para tal foi necessária uma preparação de duas décadas, em que grandes equipas internacionais superaram, em cooperação, uma série de desafios tecnológicos, com impacto direto na transferência de tecnologia da ciência para a sociedade portuguesa, e com a participação de engenheiros e indústria, para além dos investigadores envolvidos nas pesquisas de ciência fundamental. Cortar o investimento na ciência fundamental trará custos futuros elevadíssimos também para outros sectores: segundo um estudo independente encomendado pela Sociedade Europeia de Física, a indústria com base na Física representava já em 2010 cerca de 14% da economia europeia, e 13% do emprego a nível europeu.

A nossa atividade necessita de equipas sólidas que levam anos a constituir e que são o maior recurso de qualquer instituição científica. Contudo, com o crescimento do sistema científico português, também a precariedade laboral aumentou e hoje prolonga-se até fases cada vez mais avançadas das carreiras científicas. Desde os contratos de bolsa, sem reconhecimento do direito à segurança social como qualquer trabalhador por conta de outrem, aos contratos de duração limitada a cinco anos, sem integração e progressão numa carreira estabelecida. Esta situação está agora a ser agravada, num claro ataque ao emprego científico.

A diminuição drástica verificada tanto no número de contratos resultantes do concurso Investigador FCT, divulgadas no final de 2013, como no número de bolsas de pós-doutoramento e de doutoramento atribuídas no concurso para bolsas individuais da FCT, põe em causa o funcionamento normal dos projetos de investigação em curso e compromete os projetos futuros. Entendemos que os últimos concursos, atribuindo um número muito reduzido de contratos e bolsas, padecem de uma seleção demasiado restritiva: os contratos e bolsas são vistos como prémios, sujeitando a continuação da vida normal de investigadores, projetos e instituições a uma arbitrariedade insustentável. Nestas condições qualquer erro de avaliação, por pequeno que seja, pode excluir candidatos“excelentes”, tornando-se ainda mais importante que a avaliação seja rigorosa e transparente, com critérios razoáveis e adaptados às diferentes realidades de cada área. Tornam-se assim graves os múltiplos problemas técnicos nas plataformas informáticas da FCT que afetaram as várias fases dos concursos referidos. Mas, principalmente, são ainda mais inaceitáveis as interferências burocráticas nas avaliações científicas efetuadas por especialistas, sejam as alterações conhecidas às atas dos júris no concurso de bolsas individuais, ou a atribuição não justificada de 6 valores a candidatos do concurso Investigador FCT classificados com 7,5 valores por avaliadores externos, implicando a reprovação destes candidatos.

A comunidade científica sempre se baseou na avaliação por pares, mas a confiança no processo de avaliação e nos avaliadores é fundamental, assim como o acesso a toda a informação que possa permitir a discussão dos resultados finais. Os processos de avaliação pouco claros a que assistimos quebraram a confiança da comunidade científica nacional na FCT. É urgente restabelecer essa confiança. Exigimos, portanto, que toda a informação sobre as várias fases de avaliação dos concursos seja tornada pública, de modo a que seja cumprida a legislação aplicável, nomeadamente o Código do Processo Administrativo, a saber: a análise das candidaturas pelos especialistas, o resultado das reuniões finais dos júris e também a descrição das várias interferências burocráticas durante os processos de avaliação.

A diminuição drástica do número de bolsas individuais atribuídas tem vindo a ser apresentada como uma reorientação de recursos, em que os estudantes de doutoramento serão financiados principalmente por bolsas de programas doutorais específicos e os doutorados por bolsas em projetos financiados. Este parece-nos um ataque direto à liberdade e autonomia científica. Neste modelo, seria então necessário evitar o afunilamento das áreas de estudo financiadas, mantendo programas doutorais e projetos diversificados, cobrindo as várias áreas científicas de forma abrangente. Não sendo assim, corremos o risco de ver áreas inteiras de investigação a desaparecer, e outras que no futuro não se chegarão a consolidar. Além do mais, uma mudança de paradigma como a anunciada não se pode levar a cabo num só ano – e muito menos num ano em que apenas houve financiamento de projetos exploratórios, com a duração de 12 meses e destinados a um segmento muito restrito da comunidade científica. Entendemos assim que esta alteração leva a uma diminuição efetiva no número de investigadores doutorados e doutorandos, assim como dos temas de investigação. As instituições já se confrontam com a saída de elementos essenciais às suas equipas, com destino a outras paragens onde as suas competências são reconhecidas como necessárias e respeitadas. Esta emigração deve-se não só à falta de perspetivas de futuro que estes investigadores têm em Portugal, mas também à diminuição da capacidade das instituições em minorar os efeitos da precariedade laboral, pois estão também elas reféns de grandes incertezas no que diz respeito ao seu financiamento futuro.

No caso concreto do LIP, parte significativa do orçamento é financiado pelo Projeto Estratégico da FCT enquanto Laboratório Associado e em projetos de longo prazo cujo
financiamento é reavaliado regularmente em concursos geridos pela FCT, em particular no âmbito do acordo de cooperação entre Portugal e o CERN. Não há, neste momento, um calendário concretizado para o concurso de financiamento de projetos no âmbito do acordo entre Portugal e o CERN, como não o há para os outros projetos de investigação. Entendemos que é necessário estancar de imediato a atual situação de incerteza e a crescente falta de confiança dos investigadores e das instituições na FCT. Para tal devem tornar-se desde já públicos os planos de financiamento das unidades de investigação e dos projetos previstos para o futuro próximo. Deve também ser estabelecida uma calendarização de longo prazo das oportunidades de financiamento e emprego, com regras claramente estabelecidas. Os processos de avaliação de instituições e programas doutorais devem garantir o respeito pela liberdade e autonomia de investigação nas diversas áreas, com equilíbrio entre as ciências fundamentais e as aplicadas, e devem decorrer de forma clara e transparente, por forma a garantir a confiança nos seus resultados finais.

A ciência não pode ser reduzida exclusivamente a uma minoria de "excelência". Só uma massa crítica de base, competente e diversificada, permite o aparecimento de novos temas de investigação e a abordagem de novos desafios. A ciência não se pode fazer com equipas voláteis. 

A ciência só se pode fazer com condições de estabilidade das equipas criadas que permita planear e desenvolver programas de investigação a longo prazo. São estas as bases de construção do conhecimento científico e da inovação tecnológica, sem as quais apostas isoladas terão menos condições para prosperar.

É urgente travar a erosão da comunidade científica nacional. Impõe-se uma mudança dos procedimentos da FCT, cujos métodos e resultados têm sido incompatíveis com a “excelência” que apregoa. A FCT deve cumprir o papel que lhe compete, retomando o diálogo com a comunidade científica, para que se possa restaurar a confiança perdida. Exigimos uma inversão da política que sustenta esta desastrosa gestão da ciência.

Os Investigadores do LIP,

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