quinta-feira, 24 de outubro de 2013

DOS SEDIMENTOS À PEDRA DURA (1)

Imagem recolhida de  www.cientic,com
Quando andamos pelo campo e temos oportunidade de observar conglomerados, brechas, arenitos e xistos, materiais que aprendemos a considerar como rochas sedimentares, mas que, com escola ou sem ela, toda a gente reconhece como pedras, entidades mortas, coesas e quebradiças.

Geradas à superfície da Terra, nas condições de pressão, temperatura e quimismo aí reinantes e em contacto com a água, o ar e os seres vivos, este conjunto de rochas sedimentares, ditas detríticas, clásticas ou terrígenas, é o produto da deposição gravítica de detritos ou clastos maiores ou menores resultantes da erosão de outras rochas preexistentes.

Muito tempo antes de serem rochas, esses materiais foram acumulações incoesas (e, portanto, móveis ou remobilizáveis) de detritos terrígenos de diversas dimensões e origens, a que podemos, com toda a propriedade, chamar sedimentos. São os seixos transportados pelos cursos de água ou os que rolam no litoral ao sabor do fluxo e refluxo das vagas e acabam por se imobilizar num local propício à sedimentação; são as areias com idêntica história e as que o vento varre de um local para depositar num outro; são as partículas de argila e outras igualmente muito finas que turvam as águas que as levam a caminho do mar ou de um lago e aí as depositam em ambientes da águas paradas, sem energia que as remobilize.

No século XIII, mais de quinhentos anos antes de se falar em rochas sedimentares, Albert von Bollstadt (1206-1280), mais conhecido como Alberto, o Grande, alquimista francês, afirmava que “o lodo alagadiço e viscoso trazido pelas águas e que cimenta a terra e a transforma em pedra dura.”. Em finais do século XVIII, o geólogo escocês James Hutton (1727-1797), considerado o pai da geologia moderna, afirmava que “as camadas sedimentares foram antigos sedimentos que se transformaram em rocha”. Só mais tarde, em 1868, o geólogo alemão Karl Wilhelm von Gümbel (1823-1898) deu o nome de diagénese (do grego dia, através de, e genesis, origem) ao conjunto de processos que transformam os sedimentos em pedra ou, por outras palavras, os petrificam, lapidificam ou litificam. Petrificar, do latim petra (pedra), deu petrificação, lapidificar, do latim lapis (pedra), deu lapidificação, e litificar, do grego lythós (pedra), deu litificação. Quatro palavras para designar o mesmo fenómeno geológico.

A menos que não sejam destruídos prematuramente, todos os depósitos naturais destes sedimentos acabam por sofrer diagénese. Distingue-se uma diagénese precoce ou sindiagénese, entendida como o conjunto complexo de processos físicos, químicos e biológicos que, imediatamente, se seguem à sedimentação, sob condições de pressão e de temperatura moderadas e em função do conteúdo e concentração de iões e de parâmetros que definem a acidez ou alcalinidade (Ph) e o carácter oxidante ou redutor do meio (Eh).

Esta primeira etapa da diagénese resulta de uma procura de equilíbrio entre as partículas sólidas do sedimento, a água circulante nos respectivos poros e os seres (bactérias e outros) que, numa fase inicial, os habitem. Com o enterramento e consequente elevação da pressão e da temperatura, e em condições já abióticas, entra-se no domínio da chamada diagénese tardia ou metassomática, também conhecida por epigénese. A própria sedimentação vai comprimindo, com o seu peso e de forma crescente, os materiais que lhe vão ficando por debaixo. Para pressões e temperaturas ainda mais elevadas, as rochas sedimentares sofrem metamorfismo, passando a ser apelidadas de metamórficas, que, no início, se confundem com elas (1).  A diagénese decorre num ambiente termodinâmico que, no ciclo petrogenético, a coloca a meio caminho entre a sedimentação e o metamorfismo portanto, na fronteira dos processos exógenos com os endógenos.

As grandes transformações envolvidas na diagénese são a compactação, a cimentação, a metassomatose e a recristalização. A ordem por que são enunciados não representa necessariamente qualquer sequência nos fenómenos, podendo haver concomitância entre eles ou qualquer deles anteceder ou preceder os restantes. Por outro lado, alguns destes fenómenos podem repetir-se em qualquer fase do processo, não sendo ainda necessário que todos tenham lugar para que haja diagénese.

A compactação corresponde à redução de volume (60%, em média, podendo atingir 80%) do corpo sedimentar sujeito à compressão provocada pelo peso dos sedimentos que se lhe sobrepõem, com eliminação de maior ou menor quantidade da água contida nos poros (2) que ficam, assim, mais reduzidos. Este processo é particularmente acentuado e evidente nas vasas lamacentas, impregnadas de água, conduzindo por dessecação, progressivamente, a argilas, argilitos e xistos argilosos. É o fenómeno responsável pela fissilidade de certas rochas sedimentares, em especial das detríticas de granularidade mais fina (essencialmente argilosas).

Xisto argiloso. (Imagem retirada de www.cienciahoje.pt)
Primeiramente é expulsa a água de impregnação, acabando as partículas detríticas por se unirem umas às outras, com diminuição sucessiva de porosidade e consequente impermeabilização da rocha, num processo, praticamente, irreversível. Pelo contrário, a compactação de uma areia de quartzo não lhe elimina a porosidade que pode, em função da calibragem, permanecer entre 30 a 20%.

A cimentação consiste no preenchimento dos vazios ou espaços sempre existentes entre os detritos, mesmo que compactados. Este preenchimento é feito por substâncias em suspensão ou dissolvidas nas águas que circulam através desses interstícios e aí se acumulam, reduzindo-os até os colmatarem. Na cimentação por partículas em suspensão, como são geralmente os minerais argilosos, transportados do exterior, o processo é meramente mecânico. A rocha assim formada é um arenito argiloso, geralmente friável, que se esboroa entre os dedos ou que se desagrega quando mergulhado na água.

Na cimentação resultante da cristalização a partir de substâncias em solução nas águas, há formação de novos minerais, nomeadamente carbonatos (calcite e dolomite), sílica (quartzo, calcedonite, opala), óxidos de ferro (hematite, magnetite, goethite, limonite), Na sequência deste processo, e consoante o tipo de cimento, uma areia pode transformar-se num arenito de cimento carbonatado, silicioso ou ferruginoso. Neste contexto, aos minerais alogénicos (os detríticos, assim chamados em virtude de serem oriundos do exterior) associam-se novos minerais, gerados no decurso da diagénese, usualmente apelidados de autigénicos (por oposição a alogénicos).

Nas areias litorais submersas e sob condições propícias, a cimentação é precoce e conduz à formação de níveis superficiais endurecidos, internacionalmente designada por beachrock (praialito, na versão aportuguesada), isto é, rocha formada por cimentação da areia de praia. Nas situações de afundamento acentuado tem lugar a cimentação por enterramento (burial), na qual os grãos se interdigerem, fenómeno que alguns autores referem por “canibalização”.

Em algumas sequências sedimentares são os arenitos cimentados por betumes (3), dos quais se pode extrair petróleo com rentabilidade, por destilação, a cerca de 350ºC.

A recristalização tem lugar na sequência da adaptação das estruturas cristalinas dos minerais sedimentares às novas condições termodinâmicas da diagénese. Como o nome indica, consiste num rearranjo cristalino dos componentes da rocha. Requer a existência de um solvente, no geral, a água, e condições de pressão e temperatura adequadas. Via de regra, conduz ao aumento da dimensão dos cristais. É este processo que explica a transformação da calcedonite em quartzo.

Considerada como um caso particular da recristalização, a metassomatose é a transformação que permite a troca de substâncias químicas (em qualquer fase da diagénese), realizada entre os componentes iniciais da rocha e eventuais soluções que nela penetram. Pouco representada entre as rochas sedimentares detríticas, é particularmente comum entre as rochas carbonatadas (calcários e dolomitos), um tema a tratar num próximo texto.

Notas:
(1) Chama-se anquimetamorfismo (do grego ankhi, quase) ao metamorfismo de muito baixo grau, ocorrente ainda muito próximo da superfície, pelo que se confunde com a diagénese. Corresponde à epigénese dos autores russos (in M. M. Strakhov, 1957). É esta situação de fronteira que está na base da qualificação de rochas metassedimentares, atribuída, por exemplo, aos xistos argilosos.
(2) Chama-se água fóssil, dormente ou morta, à água que fica aprisionada nos sedimentos e que exerce acções indutoras da diagénese e até do metamorfismo. 
(3) Do latim bitumen, substância natural, negra, sólida ou muitíssimo viscosa, conhecida e explorada desde a Antiguidade, na Babilónia, essencialmente formada por hidrocarbonetos muito complexos e densos, derivados dos petróleos líquidos. O mesmo que asfalto, do grego asphaltós, com o mesmo significado.

(Continua)

A. Galopim de Carvalho

Sem comentários:

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...