quarta-feira, 27 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (1)?

Regina Rocha, professora de Português da Escola José Falcão de Coimbra, teve a amabilidade de partilhar a reflexão que fez acerca dos mais recentes exames nacionais de Português do 12.º ano.

O texto que escreveu é composto por duas partes - (1) Porquê tais resultados? (2) O que fazer para alterar a situação? -, que publicamos em sequência.

Os resultados da 1.ª Fase dos exames de Português de 12.º Ano foram preocupantes: 8,9 valores de média nacional; 55% de classificações negativas, em 68409 examinandos.

Dizer, como defendem alguns, que a média negativa dos exames nacionais de Português se deve ao facto de os alunos, na sua maioria, seguirem a via científica é incorrecto. A capacidade de interpretar um texto, de responder objectivamente sobre questões de natureza gramatical e de escrever sobe um tema, defendendo uma ideia, não tem que ver com o facto de os alunos seguirem uma ou outra via de ensino. Acresce que, na generalidade, os melhores alunos das escolas portuguesas têm vindo, desde há muitos anos, a optar pelo ramo científico.

As razões dos resultados deste exame de Português do 12.º Ano da 1.ª Fase de 2011 são óbvias. Basta observarem-se quatro aspectos:
(1) a prova de exame propriamente dita e as competências aí exigidas, que os examinandos não dominam;
(2) o programa da disciplina de Português do Ensino Secundário e o que a prova testa;
(3) o ensino que se faz;
(4) a falta de trabalho, de estudo, dos alunos.

Analisemos, então, uma a uma, estas quatro variáveis.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS?

(1) A prova de exame e as competências que os examinandos revelaram não dominar

Grupo I A
Uma esmagadora maioria dos alunos obteve zero pontos na resposta ao item 1 do Grupo I, pois, em vez de identificar sensações (visuais e auditivas), identificou emoções ou sentimentos.
No item 2 deste grupo, pedia-se a caracterização do tempo de infância tal como era apresentado na terceira estrofe do poema, que era constituída apenas por três versos. Ora, muitos examinados responderam de forma incompleta, seleccionando apenas uma parte da informação contida na estrofe, a que aparecia em primeiro lugar e a mais óbvia. Tal é revelador de falta de rigor (não se preocuparam em analisar bem toda a estrofe, mas, apenas, o seu início), ou de falta de capacidade de análise e de dedução[1].
Nos itens 3 e 4, exigia-se que os examinandos soubessem relacionar («Explique a relação que o sujeito poético estabelece com ‘os outros’ nas seis primeiras estrofes do poema…»; «Relacione o conteúdo da última estrofe com as reflexões apresentadas nas duas estrofes anteriores.»). Ora, em muitos casos, os examinandos não foram capazes de referir a relação, limitando-se a tentar apresentar, por palavras suas ou pelas do texto, o conteúdo das estrofes indicadas. Em suma, os examinandos não revelaram saber que tipos de relação se podem estabelecer entre sujeitos ou entre partes de texto.

Grupo I B
Na resposta a este item, os examinandos perderam pontuação por não mostrarem conhecimento dos poemas de Ricardo Reis, um dos autores de leitura obrigatória, limitando-se a afirmações genéricas sobre esta poesia, mas sem se referirem ao conteúdo de poemas, à leitura que deveriam ter feito. Nota-se aqui falta de estudo, falta de leituras, ou falta de orientação precisa de como se responde a este tipo de item.

Grupo II
Os itens deste grupo eram claros: quem soubesse gramática, responderia correctamente.
A perda de pontuação neste grupo ocorreu essencialmente em três situações: a) na identificação de um sujeito colocado depois do predicado (item 2.2); b) na referência adequada a um antecedente (item 2.1); c) na classificação de uma oração (item 2.3). Tal é revelador ou de falta de conhecimento ou de falta de atenção, de leitura atenta e de rigor não só na análise das frases do texto como na redacção de respostas objectivas e completas.

Grupo III
A perda de pontuação neste item (em que se exigia a produção de um texto de reflexão) deveu-se essencialmente a cinco motivos: a) pedia-se que os examinandos focassem a importância da literatura, mas uma grande parte referiu-se à leitura, e não à literatura; b) muitos examinandos não consideraram a perspectiva exposta num excerto fornecido, de que teriam de partir para redigir o seu texto, isto é, não respeitaram uma das indicações dadas, limitando-se a referir o que pensavam sobre o assunto; c) acresce não ter sido feliz a escolha desse excerto[2], eventualmente descontextualizado, visto conter uma construção sintáctica defeituosa (falta um complemento ao termo «organizador fundamental»: organizador de quê?), de conteúdo complexo e francamente discutível (a rotina é uma tragédia?; a rotina ameaça a afectividade e as relações?); d) muitos examinados limitaram-se a discorrer sobre o tema, sem o recurso objectivo a dois argumentos e respectivos exemplos, como era exigido; e) as incorrecções linguísticas (de pontuação, de ortografia, de acentuação, de construção frásica) foram em número muito elevado, fazendo com que facilmente muitos examinandos obtivessem a pontuação zero na parte respeitante aos aspectos formais da resposta (que valiam 20 pontos).

Este texto tem continuação aqui.

Regina Rocha
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[1] Era necessário que os examinandos interpretassem que a estrofe «As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre vasos de flores, /sem dúvida, eternamente» continha a ideia de que o tempo de infância se caracterizava «pela não consciência da passagem do tempo» (Critérios de Classificação, pág. 7), o que não era óbvio (tratava-se de uma inferência). Acresce que na pergunta não se indicava que a resposta devia focar dois tópicos, pelo que muitos examinandos se ficaram pela referência ao ambiente de despreocupação feliz sugerido no início da estrofe: resposta incompleta.

[2] O excerto de que os examinandos deveriam ter partido para a reflexão proposta (sobre «a importância da literatura para o ser humano») era o seguinte: «A importância da literatura para a criança, como para o adulto, é que ela é um “organizador fundamental”, que protege a vida contra a automatização e contra a “tragédia da rotina” que ameaça a afectividade e as relações.»
Manuel António Pina, «A Língua que os livros “para” crianças falam», in Palavra de Trapos. A Língua Que os Livros Falam, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

1 comentário:

Anónimo disse...

Sr.ª Professora Regina Rocha, permita-me que faça uma citação, muito pequena, do testemunho que nos deixou, aquele que foi o maior matemático Português, o Professor José Sebastião e Silva, sobre o ensino da matemática na Alemanha, e por isso lhe recomendo a sua leitura na integra, na esperança de lhe ser tão proveitoso quanto o é para mim na análise à qualidade do nosso ensino, e onde nos encontramos;

"Todos nós sabemos que os exames são a parte ingrata (de certo modo negativa) do ensino; praticada em excesso, acaba por massacrar docentes e discentes, fatigando-os inutilmente, tirando-lhes a vontade para o trabalho construtivo, levando-os por vezes a execrar a ciência e os cérebros que a geraram (1). É evidente que se trata de um mal necessário, mas, por isso mesmo que é um mal, conviria reduzi-lo ao mínimo necessário."
(1)Sem esquecer que, muitas vezes, o exame faz uma selecção errada, colocando em primeiro lugar o aluno mais espectaculoso, mais expansivo, que não é geralmente o mais concentrado, o mais profundo.

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